quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Monólogo de um canalha

Monólogo de um canalha — Plínio Marcos


Monólogo de um canalha

Eu sou um canalha.
Não tenho caráter, não tenho ética, não tenho moral.
Eu finjo que amo. Finjo que acredito. Finjo que ajudo.
Finjo até que sou gente.

Eu manipulo sentimentos, eu minto.
Eu agrado, seduzo, engano.
Eu uso palavras doces, gestos suaves, sorrisos amplos.

E depois, eu desapareço.

Eu não tenho vergonha.
Eu me acho esperto.
Eu olho no espelho e me aplaudo.

Eu sou o típico canalha que sorri enquanto enfia a faca.

Eu sou o motivo da desilusão de muita gente boa.

Eu sou aquele que estraga os outros para sempre.

E no fundo, no fundo,
eu sei que um dia
vou ser o canalha que vai chorar
porque finalmente encontrou
alguém
que foi canalha comigo também.

Plínio Marcos
  

É raro encontrar um texto que consiga ser tão direto e ainda assim incomodar tanto quanto "Monólogo de um canalha". Atribuído a Plínio Marcos, esse texto é menos um poema e mais um autoflagelo público travestido de confissão. Um espelho rachado onde só se enxerga aquilo que evitamos reconhecer.

Não há métrica, não há rima, não há beleza. Só o incômodo, só desconforto. Só a verdade dita com a cara lavada e a voz fria. O narrador não quer redenção — ele quer ser visto. Quer ser entendido como a escória que se orgulha de ter aprendido a jogar. Não odeio o jogador, odeie o jogo.

A estrutura é uma sequência de socos: frases curtas, impiedosas, e o uso repetido de "eu" cria um ritmo claustrofóbico. Não é fala, é espelho. Não há pausa para a culpa — só o desfile da canalhice como performance social. Ele não esconde quem é, mas também não se orgulha de verdade. Ele sobrevive, como qualquer um na selva urbana, com uma casca grossa e um coração mofado.

É um texto sobre o poder e o ego, mas também sobre o vazio. O trecho final vira o jogo: o canalha sabe que um dia será a vítima do mesmo veneno. E isso é mais que justiça poética — é um lembrete cruel de que ninguém escapa ileso de si mesmo. Um dia caça, no outro caçador.

O poema fala para quem já sofreu nas mãos de gente assim, mas também fala para quem reconhece, mesmo que em silêncio, um pouco dessa sujeira em si. E é aí que ele pega. Porque todo mundo já feriu alguém com afeto fingido — ou foi ferido assim.

“Eu sou o motivo da desilusão de muita gente boa.”

Talvez você nunca vá admitir isso em voz alta. Mas o canalha aqui não quer perdão — ele só quer que você se veja nele e entenda que o mundo está cheio de espelhos sujos.

Ela - DárioJr.

Feita de som, água e sombra Por Pinguim Urbano De vez em quando, eu caminho fora das minhas ruas habituais. Esse poema não ...