Soneto da Separação

PinguimUrbano - Análise Poética - Soneto da Separação - Vinicius de Morais
  
Soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

~Vinicius de Moraes 
  
“De repente do riso fez-se o pranto…”
Assim começa um dos sonetos mais comoventes da literatura brasileira. O Soneto da Separação, de Vinicius de Moraes, é uma ode à transição abrupta entre amor e dor, entre permanência e perda, entre o que se sente e o que se cala. Em apenas 14 versos, o autor transforma uma história de amor em um retrato sincero do fim — um fim que não é apenas factual, mas visceral.

O poema expõe a fragilidade dos vínculos afetivos, mostrando como tudo pode mudar “de repente”. O uso de construções repetidas como “fez-se” reforça essa virada súbita, quase brutal. Não há tempo para processar: o beijo vira amargura, a esperança vira desilusão. Essa repetição é musical, simétrica, angustiante. Vinicius parece narrar um lamento com ritmo de lágrima.

Podemos ler nesse soneto não apenas a dor do fim de um romance, mas a melancolia existencial que permeia a obra do autor. Há algo de trágico na constatação de que “o amor terminou”, como se fosse algo que não poderia ter sido salvo — uma morte emocional silenciosa. A entrega de Vinicius à dor é total, mas sua forma de lidar com ela é arte. A dor que paralisa é transformada em beleza.

O contraste entre os dois quartetos e os dois tercetos também é interessante. Enquanto nos quartetos ele narra a cronologia da perda, nos tercetos há a aceitação silenciosa, quase resignada. Não há promessas, nem tentativas de volta. O silêncio do fim se impõe como única verdade possível.

Silenciosa e branca como a bruma”: esse verso final é um golpe. A imagem é etérea, mas devastadora. A figura que parte não carrega consigo fúria ou mágoa — ela vai como névoa, como ausência, como o que não se pode segurar.

“É curioso como as coisas mais belas às vezes nascem dos nossos maiores silêncios.”

A leitura desse soneto, hoje, nos leva à reflexão sobre a efemeridade das emoções e sobre o quanto somos frágeis diante da impermanência. Talvez todos nós já tenhamos sido, em algum momento, os que ficam olhando a bruma partir — sem poder impedir, sem saber o que dizer.


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