quarta-feira, 2 de abril de 2025

Bukowski - Garotas quietas e Limpas em Vestidos de Algodão

Garotas quietas, vestidos de algodão e a dor de não caber na paz

Garotas quietas, vestidos de algodão e a dor de não caber na paz

PinguimUrbano - Análise Poetica - Garotas queitas - Charles Bukowski

Garotas Quietas 

tudo que eu sempre conheci foram putas, ex-prostitutas,
loucas. vejo homens com mulheres quietas,
gentis – vejo-os nos supermercados,
vejo-os caminhando juntos pelas ruas,
vejo-os em seus apartamentos: pessoas em
paz, vivendo juntas. sei que sua
paz é apenas parcial, mas existe
paz, frequentes horas e dias de paz.
tudo que eu sempre conheci foram comedoras de comprimidos, alcoólatras,
putas, ex-prostitutas, loucas.
quando uma vai embora
chega outra
pior do que sua antecessora.
vejo tantos homens com garotas quietas e limpas em
vestidos de algodão
garotas com rostos que não são rapaces ou
predatórios.
“nunca traga uma puta com você,” eu digo para meus
poucos amigos, “eu vou me apaixonar por ela.”
“você não aguenta uma boa mulher, Bukowski.”
preciso de uma boa mulher. preciso de uma boa mulher
mais do que preciso desta máquina de escrever, mais do que
preciso do meu automóvel, mais do que preciso
de Mozart; preciso tanto de uma boa mulher que
posso sentir seu gosto no ar, posso senti-la
na ponta dos meus dedos, posso ver calçadas construídas
para seus pés caminharem,
posso ver travesseiros para sua cabeça,
posso sentir minha expectante risada de tranquilo júbilo,
posso vê-la acariciando um gato,
posso vê-la dormindo,
posso ver seus chinelos no chão.
eu sei que ela existe
mas onde está ela neste planeta
enquanto as putas continuam me encontrando?

~Charles Bukowski
  

Esse poema é um espelho estilhaçado. Um reflexo incômodo de alguém que já não tem mais certeza se está procurando amor... ou apenas tentando sobreviver à solidão.

Bukowski, mais uma vez, não disfarça suas fissuras. Ele despeja na página não um desejo idealizado, mas a trágica consciência de que talvez ele nunca tenha estado apto para viver o tipo de paz que observa nos outros. Ele vê casais andando pela rua, dividindo o silêncio do cotidiano, e aquilo o fere. Porque aquela vida comum, aparentemente entediante, é algo que ele nunca conseguiu alcançar — nem sustentar.

🧩 Paz parcial

“Sei que sua paz é apenas parcial”, ele diz. Mas para quem nunca teve sequer isso, até a paz imperfeita parece inalcançável. Enquanto os outros vivem em apartamentos tranquilos, ele coleciona relações desastrosas. E o que machuca mais: nem sempre por culpa do outro.

Bukowski não se exime. Ele sabe quem atrai. Sabe que repete padrões. E sabe que, em algum nível, ele mesmo não suporta o que tanto deseja.

🧠 Entre a idealização e o autoabandono

O trecho mais poderoso do poema não é o lamento — é a confissão:

“preciso de uma boa mulher mais do que preciso desta máquina de escrever, mais do que preciso do meu automóvel, mais do que preciso de Mozart...”

Essa frase é um grito. Um homem que viveu da escrita dizendo que precisa mais de amor do que de palavras. Mais de alguém que fique do que de qualquer coisa que o faça sobreviver sozinho.

Mas logo depois, ele mesmo antecipa o diagnóstico cruel dos amigos: “você não aguenta uma boa mulher, Bukowski.”

Esse é o ponto. Ele quer. Ele deseja. Ele até visualiza esse tipo de mulher nos detalhes mais simples: chinelos, gatos, travesseiros. Mas lá no fundo... ele sabe que não conseguiria sustentar aquilo. Porque há uma dor em Bukowski que sempre boicota qualquer possibilidade de paz duradoura.

🌫️ E quanto a nós?

Quantas vezes também desejamos o sossego — mas não conseguimos habitá-lo? Quantas vezes olhamos para a estabilidade e sentimos mais medo do que alívio?

Esse poema não é só sobre garotas quietas. É sobre vidas ruidosas que não sabem amar o silêncio. É sobre gente que vive no limite entre querer carinho e destruir tudo quando recebe.

É sobre observar a ternura de longe, como quem olha vitrines de uma loja que sabe não poder entrar. E mesmo assim, desejar.

“Eu sei que ela existe. Mas onde está ela neste planeta... enquanto as putas continuam me encontrando?”

Não é apenas desabafo. É confissão. É o exato momento em que um homem se depara com sua própria incapacidade de amar de forma simples. E é, acima de tudo, a dor de quem não sabe se o problema está no mundo... ou dentro de si mesmo.

“tudo que eu sempre conheci foram putas, ex-prostitutas, loucas.”
— Charles Bukowski

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