segunda-feira, 7 de abril de 2025

Gosto quando te calas

Gosto quando te calas – A linguagem do silêncio em Pablo Neruda


  Gosto quando te calas

Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voado
e parece que um beijo te fechara a boca.

Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheia da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.

Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.

Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.

Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.

~Pablo Neruda

Há amores que não se dizem. Sentimentos tão densos que cabem apenas no não-dito.
É nesse ponto sutil, quase invisível, que Pablo Neruda pousa sua pena no poema "Gosto quando te calas", um dos mais complexos e mal interpretados de toda sua obra.

Lido superficialmente, muitos veem ali um pedido machista de silenciamento.
Mas quem se detém, sente o contrário: o que Neruda desenha é um amor silencioso, contemplativo, quase espiritual.
Um amor que encontra beleza na ausência, música no silêncio, presença na distância.

O silêncio como presença

Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.

Não se trata de querer a amada calada, mas de sabê-la tão presente em tudo que até seu silêncio se torna eloquente.
O poeta a percebe com os olhos fechados, com os sentidos dilatados.
E o silêncio é a frequência onde esse amor se sustenta.

Borboleta de sonho

Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.

A imagem da borboleta representa algo leve, fugaz, bonito, mas profundamente melancólico.
A mulher amada torna-se um reflexo da alma do poeta.
Não é apenas musa — ela é o espelho do sentimento que o atravessa.

A intimidade do silêncio partilhado

Deixa-me que te fale também com o teu silêncio,
claro como uma lâmpada, simples como um anel.

O silêncio deixa de ser ausência e torna-se linguagem.
O poeta não quer calá-la, mas calar com ela.
Fala de uma fusão, de uma escuta mútua que não precisa de som.

A beleza da ausência e o medo da perda

Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.

A ausência dela, profunda demais, toca o abismo da morte.
Mas bastaria um sorriso, uma palavra, para trazer o alívio.
O amor aqui é sobrevivência.

🌙 Reflexo final

"Gosto quando te calas" é uma obra que exige escuta.
Não dos ouvidos, mas da alma.
Fala de um amor que não se impõe, mas que se faz notar mesmo no silêncio mais denso.
Um amor maduro, que compreende que presença também pode ser um olhar quieto, uma respiração suave vinda de longe.

É um poema para quem ama com o coração calado e a alma em chamas.

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