terça-feira, 15 de abril de 2025

Guarde seu amor para quando eu estiver morto

Guarde seu amor (pra quando for inútil)

Por Pinguim Urbano


Guarde seu amor para quando eu estiver morto 

Não me ligue 
Não me procure
Deixe para mandar aquela mensagem amanhã 
Quando eu não mais ouvir 
Quando eu não mais estar 
Quando eu não mais ler
Guarde seu amor e seus erros ortográficos 
Para você

Deixe seu afeto debaixo do teu teto 
Engula todas as palavras secas 
Que sempre pensou em me dizer 
Compre já a vela que você irá acender 
Ela queimará junto com tudo 
O que já fui pra você

Prepare um café forte e amargo
Aperta forte o próprio braço 
Pra se lembrar do meu gosto 
E do meu abraço 
Escolhe o teu canto 
preferido do espaço 
E olha
Mas tenta não chorar 
Quando esse espaço 
Te lembrar o meu olhar

E eu não vou olhar de volta.

Guarda o seu amor frio 
Para quando ele combinar comigo. 

                           
   -Coisas que você nunca saberá se foram feitas pra você...

Higor Lapola

“Guarde seu amor para quando eu estiver morto”

A primeira linha já diz tudo. É aviso, recado e testamento — tudo de uma vez. Essa poesia é escrita no tempo errado de propósito. Porque é sobre o atraso emocional, sobre o amor que só vem quando não serve mais. E quando chega tarde, o que era afeto vira peso.

O poema não suplica por atenção. Ele decreta o silêncio. “Não me ligue. Não me procure.” Isso não é orgulho, é defesa. A voz que fala aqui não está pedindo consolo — está desenhando o limite entre o que foi vivido e o que não vai mais se repetir.

“Guarde seu amor e seus erros ortográficos / Para você.”

Aqui, o sarcasmo assume o leme. A menção ao “erro ortográfico” não é sobre linguagem — é sobre descuido. É sobre o tipo de amor que não presta atenção. Que escreve rápido, pensa pouco, chega tarde.

O autor usa objetos concretos pra tornar a ausência real: vela, café, braço, espaço. Cada um desses carrega uma função simbólica: ritual, lembrança, dor, saudade. Mas a intenção é clara — tudo isso será feito sozinho. A presença do outro já não é mais necessária.

“E eu não vou olhar de volta.”

A frase é uma pedra. Fria, definitiva. Não existe chance de retorno, nem de arrependimento. O amor que vem depois da morte emocional não tem valor — é carta fora do baralho.

“Guarda o seu amor frio / Para quando ele combinar comigo.”

Esse é o fechamento com veneno. Amor frio só serve pra quem já não sente. O poema não fala da morte literal — fala da morte dentro de alguém. Quando o outro só percebe o que perdeu tarde demais.

O golpe final vem com “coisas que você nunca saberá se foram feitas pra você”, o poema termina como começou: com ambiguidade e uma alfinetada. Pode ser sobre alguém. Pode ser sobre ninguém. O importante é que quem escreve já não se importa mais com quem vai entender.


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