Hospedagem emocional: não tem check-out limpo
Análise por Pinguim Urbano • Selo: Parece mas não é
Sou como aquele hotel na beira da estrada.
Onde tantas pessoas já passaram.
Algumas por uma só noite,
apressadas foram embora
sem nem tomar
o café da manhã.
Outras ficaram dias
e mais dias,
e mais dias.
Ocuparam os espaços.
Ocuparam meus vazios.
Fizeram festa.
Conversaram madrugadas a dentro
e foram permanecendo.
Sou como aquele hotel no meio da estrada.
Para alguns, salvação.
Para outros, refúgio.
Sou o lugar em que muitos descansaram.
E também bagunçaram.
Reviraram tudo e foram embora
sem arrumar nada.
fugiram no meio da noite.
Sem pagar o que me deviam.
Sem dizer muito obrigado.
Abriguei todo tipo de gente.
Chegadas.
Partidas.
A verdade é que todos permaneceram
o tempo que deviam permanecer.
Nem um dia a mais.
Nem um dia a menos.
Ficaram tempo suficiente
para contarem
a sua história
e conhecerem a minha.
Ninguém foi embora
sem me deixar uma lição,
um aprendizado.
Sou um pouco de todos que
já me atravessaram
~Autor desconhecido
1. Introdução e Contexto
Este poema não tem assinatura confiável. Circula pelas redes como se tivesse saído de uma dessas gavetas com nomes famosos, mas a verdade é que ninguém sabe ao certo quem o escreveu. Talvez isso torne o texto ainda mais legítimo — porque ele fala justamente de ser **um lugar de passagem**, de ser casa temporária para afetos que vêm, marcam, e somem.
A comparação com um hotel de beira de estrada não é estética. É emocional. Quem escreve, fala de si como quem olha pro próprio corpo e vê um quarto desarrumado. Um quarto que foi abrigo. Que foi festa. Que também foi usado e esquecido. E essa metáfora de ocupação e abandono carrega o peso de todas as relações onde alguém ficou demais e não ficou o suficiente.
2. Estrutura e Eu Lírico
A estrutura do poema é livre, fluida, como o trânsito de hóspedes que o texto descreve. Sem rimas, sem métrica fixa — mas com ritmo. Um ritmo de voz cansada, que narra experiências com quem já **não espera muito das próximas chegadas.**
“Sou como aquele hotel na beira da estrada. Onde tantas pessoas já passaram.”
O **eu lírico** aqui é um espaço: ele não é o viajante, é o lugar. Ele se define não pelo que é, mas pelo que os outros fizeram dele. Isso já diz muito. Há uma espécie de identidade emprestada, construída pelas histórias que passaram — e pelos estragos que deixaram.
“Algumas por uma só noite, apressadas foram embora sem nem tomar o café da manhã.”
A pressa alheia vira cicatriz íntima. As pessoas vêm, usam, se vão. E o café da manhã — símbolo mínimo de um afeto cotidiano — é ignorado. O **eu lírico é, sobretudo, aquele que espera uma delicadeza que nunca chega.**
“Reviraram tudo e foram embora sem arrumar nada. Fugiram no meio da noite. Sem pagar o que me deviam.”
Aqui, a imagem do hotel se fecha num retrato mais cru: o abandono como norma. A dívida não é financeira — é afetiva. O quarto ficou bagunçado, e ninguém voltou para consertar. É sobre isso que fala o poema inteiro: **ficar no escuro com a bagunça emocional de quem já saiu.**
3. Desenvolvimento Temático
O texto não é rancoroso. É quase aceitação. O eu lírico afirma:
“A verdade é que todos permaneceram o tempo que deviam permanecer. Nem um dia a mais. Nem um dia a menos.”
Mas essa frase tem gosto de consolo ensaiado. Soa como o tipo de coisa que alguém repete para não desabar. No fundo, há um desejo de permanência. De alguém que ficasse. Que limpasse antes de ir. Mas isso nunca aconteceu — e provavelmente nunca vai.
O poema também deixa claro que, apesar de tudo, **houve aprendizado.** Não há hóspedes inúteis. Todos deixaram algo — mesmo que tenha sido só uma lição de desapego.
“Sou um pouco de todos que já me atravessaram.”
A travessia é o verbo-chave. Ninguém veio para ficar. Todos só passaram — e quem é atravessado, nunca volta a ser o mesmo.
4. Reflexão Final
O poema não precisa de nome famoso para ter valor. Ele é verdadeiro porque **retrata a sensação de quem já foi lar, mas nunca foi destino.** De quem aprendeu que ser abrigo é cansativo. Que as chegadas são mais barulhentas que os silêncios que ficam depois da partida.
Entendo bem esse tipo de poema: não é sobre amor, nem sobre perda. É sobre a exaustão de ser sempre o lugar onde os outros descansam — e raramente ficam. Um hotel com luz baixa e lençóis limpos, esperando a próxima bagunça que virá antes do próximo silêncio.

Nota do Pinguim:
Conheci esse poema em 2022, lá no cafécomcaneta (projeto que faço parte).
Jamais esquecerei do dia que fiz aquela pergunta, "-Mas e aí?", e veio a resposta perturbadora: "-Sente aí, vou te contar uma história..."
Era agosto de 2022, eu que sempre fui de gelo, me senti quebrando junto. E na falta de explicações daquela história cheia de buracos, de silêncios, de coisas mal contadas...
Me foi mostrado esse poema, seguido por um sorriso triste:
"-Vou postar na página," ele disse, "-faz tempo que não tem um poema por lá..."
E eu, atônito, não conesgui dizer nada...
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