terça-feira, 8 de abril de 2025

O pássaro azul

O Pássaro Azul (Bukowski)


O pássaro azul

    há um pássaro azul em meu peito que
    quer sair
    mas sou duro demais com ele,
    eu digo, fique aí, não deixarei
    que ninguém o veja.

    há um pássaro azul em meu peito que
    quer sair
    mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
    fumaça de cigarro
    e as putas e os atendentes dos bares
    e das mercearias
    nunca saberão que
    ele está
    lá dentro.

    há um pássaro azul em meu peito que
    quer sair
    mas sou duro demais com ele,
    eu digo,
    fique aí, quer acabar
    comigo?
    quer foder com minha
    escrita?
    quer arruinar a venda dos meus livros na
    Europa?

    há um pássaro azul em meu peito que
    quer sair
    mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
    somente em algumas noites
    quando todos estão dormindo.
    eu digo, sei que você está aí,
    então não fique
    triste.

    depois o coloco de volta em seu lugar,
    mas ele ainda canta um pouquinho
    lá dentro, não deixo que morra
    completamente
    e nós dormimos juntos
    assim
    com nosso pacto secreto
    e isto é bom o suficiente para
    fazer um homem
    chorar, mas eu não
    choro, e
    você?

    (Tradução: Paulo Gonzaga)

Bukowski é uma dessas almas que bebem crueza no café da manhã. E “O Pássaro Azul” é o tapa silencioso que ele te dá quando você acha que já entendeu tudo sobre ele. O poema parece um sussurro de fraqueza, mas é mais um grito abafado. Sim, ele diz que tem um pássaro azul dentro do peito. Mas ele também deixa claro: ele o esconde.

Esconde sob garrafas, sob mulheres, sob fumaça. Esconde como quem tem vergonha de sentir. Bukowski nunca foi de expor suas fragilidades no meio da rua — ao menos, não as reais. O pássaro azul representa algo que ele não podia se dar ao luxo de mostrar: sensibilidade.

Porque no mundo em que ele vivia, e que muitos ainda vivem, mostrar esse tipo de coisa é pedir pra ser esmagado. “Não deixo ele sair, mas só um pouquinho, à noite às vezes.” — o suficiente pra lembrar que ainda está vivo, mas nunca o suficiente pra ser visto.

Bukowski não romantiza o pássaro. Ele o sufoca com uma frieza que é quase uma forma de proteção. Porque tem gente que precisa aprender a endurecer tanto, que desaprende a respirar sem armadura.

A beleza desse poema não está em ser bonito. Está em ser honesto. Cru. Em não te deixar confortável. Em expor o que quase todo mundo faz: trancar sentimentos e jogar a chave embaixo da rotina. É poesia pra quem tem cicatriz onde ninguém vê. É a frase que ecoa quando você tá sozinho no meio da multidão.

“Tem um pássaro azul no meu peito que quer sair, mas eu sou duro demais com ele.”

E você? Quantos pássaros já engoliu calado?


Por Pinguim Urbano

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Ela - DárioJr.

Feita de som, água e sombra Por Pinguim Urbano De vez em quando, eu caminho fora das minhas ruas habituais. Esse poema não ...