Quando você entende, é tarde
Análise por Pinguim Urbano • Selo: Clássicos Desfeitos
"Existem coisas piores do que estar sozinho
mas geralmente leva décadas para perceber isso
e, na maioria das vezes, quando você percebe
é tarde demais
e não há nada pior
do que tarde demais."
~Bukowski
1. Introdução e Contexto
Charles Bukowski sempre escreveu como quem sangra num guardanapo de bar. Seu poema “Oh Yes” é curto, seco e quase cruel — mas carrega dentro de seis versos uma constatação que muitos levam a vida inteira para alcançar. Publicado na coletânea The Pleasures of the Damned, o poema não se cerca de firulas nem nostalgia: ele entrega a frase como quem empurra um cinzeiro cheio da mesa.
Esse poema não faz voltas, não contextualiza, não pergunta. Ele já chega com a resposta, e isso é o que o torna brutal. É o tipo de texto que parece simples demais — até que você entende que está lendo a conclusão de uma vida inteira.
2. O Eu Lírico e o Corte Filosófico
“There are worse things than being alone but it often takes decades to realize this and most often when you do it’s too late and there’s nothing worse than too late.”
O **eu lírico** aqui é um homem que não está mais tentando convencer ninguém de nada. Ele fala como quem já errou, já insistiu, já esperou — e agora sabe. E o que ele sabe não consola: **existem coisas piores do que estar sozinho.** E o problema é que a gente só entende isso quando já não dá mais tempo de escapar do que veio no lugar da solidão.
O tom é filosófico, mas não acadêmico. É filosófico da forma como Bukowski sempre foi: sentado na beira da cama, encarando a parede às três da manhã. A frase “it’s too late” não é só sobre tempo cronológico. É sobre desgaste. Sobre dano feito. Sobre o que não volta.
3. Tema: Solidão vs. Companhia Errada
“Oh Yes” parte da ideia de que, sim, a solidão machuca. Mas o que vem com o “estar acompanhado” — quando mal escolhido, mal mantido, mal vivido — pode machucar mais. E pior: pode corroer silenciosamente, enquanto você se convence de que está sendo salvo.
É preciso décadas para perceber que estar mal acompanhado, emocionalmente espremido, constantemente desrespeitado ou silenciosamente ignorado é muito mais destrutivo do que o silêncio de um domingo à tarde. Mas quando essa ficha cai, como o próprio poema diz, geralmente já é tarde. E não há pior condenação que essa: perceber — tarde demais — que o inferno estava dentro da casa onde você achava que estava seguro.
4. Reflexão Final
Em meu universo, esse poema é quase um epitáfio para as relações mal curadas. É um bilhete deixado no espelho: não porque alguém foi embora, mas porque alguém ficou tempo demais. E agora carrega cicatrizes que poderiam ter sido evitadas — se tivesse entendido isso antes.
“Oh Yes” é um poema para quem já deixou o café esfriar numa conversa que não levava a lugar nenhum. Para quem segurou a presença de alguém só para não encarar o vazio. Para quem aprendeu, do pior jeito, que **estar com alguém errado é mais solitário do que estar com ninguém.**
Bukowski termina o poema com uma frase que dispensa metáfora: “And there’s nothing worse than too late.” E ele está certo. Porque depois que você entende, você não volta. Você carrega. E não há nada mais frio do que carregar uma lição que chegou depois do estrago.
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