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Ela - DárioJr.

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Feita de som, água e sombra Por Pinguim Urbano De vez em quando, eu caminho fora das minhas ruas habituais. Esse poema não é meu, mas está em um projeto do qual faço parte — onde outras vozes também escrevem com o que sobra da alma. Abaixo, minha leitura de um dos textos que veio de lá. Deixo o link do poema (existem vários outros lá, que pretendo analisar no futuro) segue aqui o caminho . “Ela é fantástica e nem se dá conta” O poema começa com espanto — não o da surpresa, mas o da rendição. Dário escreve como quem descreve um fenômeno da natureza: algo que escapa à lógica. Ela não precisa saber. Ela apenas é. E isso já basta pra virar furacão dentro de quem vê. A mulher aqui não é musa passiva. Ela é movimento. Inunda, invade, colore, toma. É como um rio que não pede licença. E o eu lírico não tenta domá-la — tenta sobreviver ao impacto. “Ela só pode ser feita de som / Pois com ...

Monólogo de um canalha

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Monólogo de um canalha — Plínio Marcos Monólogo de um canalha Eu sou um canalha. Não tenho caráter, não tenho ética, não tenho moral. Eu finjo que amo. Finjo que acredito. Finjo que ajudo. Finjo até que sou gente. Eu manipulo sentimentos, eu minto. Eu agrado, seduzo, engano. Eu uso palavras doces, gestos suaves, sorrisos amplos. E depois, eu desapareço. Eu não tenho vergonha. Eu me acho esperto. Eu olho no espelho e me aplaudo. Eu sou o típico canalha que sorri enquanto enfia a faca. Eu sou o motivo da desilusão de muita gente boa. Eu sou aquele que estraga os outros para sempre. E no fundo, no fundo, eu sei que um dia vou ser o canalha que vai chorar porque finalmente encontrou alguém que foi canalha comigo também. Plínio Marcos É raro encontrar um texto que consiga ser tão direto e ainda assim incomodar tanto quanto "Monólogo de um canalha" . Atribuído a Plínio Marcos, esse texto é menos um poema e mais um autoflagelo público travestido de confis...

Oh Yes

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Quando você entende, é tarde Análise por Pinguim Urbano • Selo: Clássicos Desfeitos "Existem coisas piores do que estar sozinho mas geralmente leva décadas para perceber isso e, na maioria das vezes, quando você percebe é tarde demais e não há nada pior do que tarde demais." ~Bukowski 1. Introdução e Contexto Charles Bukowski sempre escreveu como quem sangra num guardanapo de bar. Seu poema “Oh Yes” é curto, seco e quase cruel — mas carrega dentro de seis versos uma constatação que muitos levam a vida inteira para alcançar. Publicado na coletânea The Pleasures of the Damned , o poema não se cerca de firulas nem nostalgia: ele entrega a frase como quem empurra um cinzeiro cheio da mesa. Esse poema não faz voltas, não contextualiza, não pergunta. Ele já chega com a resposta, e isso é o que o torna brutal. É o tipo de texto que parece simples demais — até que você entende que está lendo a conclusão de uma vida i...

Dizem que a raposa...

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A fábula fria do abandono Análise por Pinguim Urbano • Selo: Parece mas não é Dizem que a raposa tem um jeito engenhoso de se livrar das pulgas. Ela se aproxima da água com lentidão calculada, e começa a mergulhar, centímetro por centímetro. As pulgas, incomodadas, sobem… Sobem… Até se agruparem no focinho. Então, num gesto súbito e decisivo… A raposa mergulha por completo. E quando emerge — está livre. As pulgas ficaram para trás, afogadas naquilo que não pertence mais a ela. Assim também acontece com as pessoas fortes. Quando mergulham no frio das adversidades, os primeiros a fugir são os que nunca estiveram de verdade. Amigos se afastam. Conhecidos evaporam. Os que você nutria com tempo, carinho, atenção… somem. Até parentes desaparecem no nevoeiro da ausência. Até parceiros de anos se vão. E a pessoa forte se vê sozinha — encharcada na dor, fria, exausta, confusa. Mas… não se engane. Eles eram pulgas. Parasitas disfarçados de afeto. Sugavam sua luz enquanto você brilhav...

O Abismo - DárioJr.

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O Abismo – Análise Poética Por Pinguim Urbano • Publicado em Café com Caneta O poema "O Abismo" , de Dário Junior, é um mergulho visceral na vertigem do colapso interior — aquele momento em que a vida parece nos arrastar sem piedade em direção a um ponto sem retorno. Com imagens poderosas e simbolismo sombrio, o texto evoca a sensação de ser puxado para a beira de um descontrole emocional, onde o abismo é metáfora e destino. A primeira metade do poema apresenta a inexorabilidade da queda : somos arrastados como por uma correnteza, sem forças ou recursos para resistir. A cachoeira ao longe é a visão daquilo que virá e que não pode ser evitado. A imagem do “fim da linha” não apenas sugere morte ou colapso literal, mas o esgotamento de todas as alternativas, a completa impotência diante da força avassaladora da existência. “Você sente que ao chegar lá, perderá sua mente seu corpo, sua vida.” Aqui, a linguagem é crua. Não há espaço para eufemismo...

Poema do Menino Jesus – Alberto Caeiro

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Entre o sagrado e o pó da estrada Análise por Pinguim Urbano • Selo: Clássicos Desfeitos Poema do Menino Jesus Num meio-dia de fim de primavera Tive um sonho como uma fotografia. Vi Jesus Cristo descer à terra. Veio pela encosta de um monte Tornado outra vez menino, A correr e a rolar-se pela erva E a arrancar flores para as deitar fora E a rir de modo a ouvir-se de longe. Tinha fugido do céu. Era nosso demais para fingir De segunda pessoa da Trindade. No céu era tudo falso, tudo em desacordo Com flores e árvores e pedras. No céu ele tinha que estar sempre sério, E de vez em quando tornar-se outra vez homem E subir para a cruz, e estar sempre a morrer Com uma coroa toda à roda de espinhos E os pés furados por um prego com cabeça. E até o que lhe ensinaram sobre o amor E a justiça e a bondade Cheirava a máquinas a trabalhar e a rangidos de ferros que custam a parar. Quando era me...

Hotel de beira da estrada - Desconhecido

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Hospedagem emocional: não tem check-out limpo Análise por Pinguim Urbano • Selo: Parece mas não é Sou como aquele hotel na beira da estrada. Onde tantas pessoas já passaram. Algumas por uma só noite, apressadas foram embora sem nem tomar o café da manhã. Outras ficaram dias e mais dias, e mais dias. Ocuparam os espaços. Ocuparam meus vazios. Fizeram festa. Conversaram madrugadas a dentro e foram permanecendo. Sou como aquele hotel no meio da estrada. Para alguns, salvação. Para outros, refúgio. Sou o lugar em que muitos descansaram. E também bagunçaram. Reviraram tudo e foram embora sem arrumar nada. fugiram no meio da noite. Sem pagar o que me deviam. Sem dizer muito obrigado. Abriguei todo tipo de gente. Chegadas. Partidas. A verdade é que todos permaneceram o tempo que deviam permanecer. Nem um dia a mais. Nem um dia a menos. Ficaram tempo suficiente para contarem a sua história e conhecerem a minha. Ninguém foi embora sem me deixar uma lição, um aprendizado....

Todas as cartas de amor são ridículas – Álvaro de Campos

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Ridículo é fingir que não sente Análise por Pinguim Urbano • Selo: Clássicos Desfeitos Todas as cartas de amor são ridículas Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor, como as outras, ridículas. As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas. Mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas. Quem me dera no tempo em que escrevia sem dar por isso cartas de amor ridículas. A verdade é que hoje as minhas memórias dessas cartas de amor é que são ridículas. (Todas as palavras esdrúxulas, como os sentimentos esdrúxulos, são naturalmente ridículas.) ~Álvaro de Campos 1. Introdução e Contexto Fernando Pessoa, sob o heterônimo Álvaro de Campos, era o que mais carregava o peso das emoções no bolso — e o escondia mal. Escrito nos anos 1930, esse poema nasce num contexto de desilusão íntima: um tempo em que o modernismo ava...